quarta-feira, 13 de março de 2019

Jornal do Comércio entrevista o novo presidente do IIA Brasil

O novo Presidente do IIA Brasil, Paulo Roberto Gomes, concedeu entrevista ao Jornal do Comércio, de Porto Alegre (RS), em 13/03/2019. Reproduzimos o conteúdo, a seguir.

Auditoria interna passa por momento de expansão no País
Roberta Mello

Recentemente empossado diretor-geral do Instituto dos Auditores Internos (IIA Brasil), Paulo Roberto Gomes tem pela frente o desafio de garantir que a profissão conquiste mais reconhecimento no mercado nacional. Ele assumiu a entidade representativa em um momento em que o Brasil e o ambiente de negócios nacional investem na cultura da prevenção de fraudes e irregularidades. 

"Nesta nova gestão, ampliaremos a credibilidade do IIA Brasil", salienta Gomes. O diretor diz que buscará consolidar a instituição como principal fonte de conhecimento e capacitação a fim de que garantir que os auditores estejam preparados para o eminente aquecimento do mercado. Essa é a primeira vez de Gomes à frente da diretoria executiva da organização. Ele conta que, nos últimos cinco anos, já havia participado ativamente de outras diretorias. 

JC Contabilidade - Quais são os principais desafios da auditoria interna no Brasil? 

Paulo Roberto Gomes - É necessário que os profissionais invistam em atualizações e certificações para estarem aptos a enfrentarem desafios como Big Data e Inteligência Artificial. Além disso, a Lava Jato mostrou que o auditor interno precisa ampliar o foco e também auditar contratos que envolvam entidades que tenham relação com sua empresa, principalmente se forem entidades ou companhias públicas. É preciso conhecer o negócio com profundidade, intensificar a atuação na chamada atividade-fim e gerar segurança nas informações que serão transmitidas à alta direção da empresa em que atua. Os profissionais terão de dar um passo além da proatividade e demostrar conhecimentos tecnológicos para dar respostas confiáveis a quem terá que tomar decisões estratégicas na companhia. 

Contabilidade - E do IIA, enquanto entidade representativa da categoria? 

Gomes - O IIA Brasil é a principal entidade de auditoria interna da América Latina e a 5ª maior do mundo. Realizamos também o maior evento anual da região, com 1.100 profissionais presentes no ano passado em Foz do Iguaçu (PR). Somos o emissor das principais certificações da carreira no mundo, concedidas pelo The IIA - The Institute of Internal Auditors. Um exemplo é o Certified Internal Auditor (CIA), que é a certificação internacional mais respeitada no mundo, quase compulsória na decisão de contratar um profissional. Além disso o IIA Brasil também é amplamente reconhecido por profissionais que atuam em compliance, gestão de riscos e por auditores externos. 

Contabilidade - Você acredita que o serviço de auditoria interna prestado no Brasil está em um nível satisfatório? É semelhante ao de outros países em desenvolvimento? 

Gomes - Sim, temos estruturas bem satisfatórias e somos referência tanto na América Latina como África e até em Portugal. O fato de termos um número de multinacionais em operação no Brasil, impulsiona as gestões para que elas tenham seus padrões de controles coesos e fortalecidos globalmente. Temos acesso ao que há de mais moderno em termos de ferramentas e certificações de auditoria. Contudo, há espaço para crescer e melhorar. O Brasil ainda precisa ter mais profissionais certificados e mais empresas com o selo QA - Quality Assessment, avaliação concebida pelo The IIA que confirma que as áreas de determinada empresa estão atuando de acordo com as normas internacionais da profissão. No Brasil, temos ainda apenas cerca de 20 empresas com o QA. 

Contabilidade - No que o Brasil deve investir mais quando o assunto é compliance? Qualificação profissional, criação de legislações mais duras, valorização profissional ou outros pontos? Por quê? 

Gomes - É preciso investir em capacitação tecnológica, em certificações profissionais e em disseminar a cultura de ações práticas. Há conhecimento sobre legislação, mas é preciso mais ações incisivas, fazer com que se cumpra a lei, efetivamente. A área de compliance existe há décadas, mas era conhecida com o nome de "fundamentação legal", que era usada para verificar se procedimentos seguiam as legislações vigentes. A maior parte dos profissionais que atuavam já eram auditores. Posteriormente vieram também muitos advogados. A qualificação profissional deve ser constante. São áreas nas quais as mudanças tecnológicas exigem atualizações periódicas. 

Contabilidade - Legislações mais claras também são uma questão importante? 

Gomes - Acredito que a legislação pode ser mais dura, mas ela já atende de forma satisfatória, haja vista a própria Lava Jato que conseguiu colocar grandes empresários e políticos na cadeia. Podemos endurecer mais, principalmente no que tange fraudes e corrupção corporativa, mas, se fizermos cumprir a legislação vigente, já teremos imenso avanço nos níveis de transparência e ética nas relações empresariais. É preciso punição para quem transgride e também para quem julga de forma irresponsável. 

Contabilidade - Tudo isso tem tornado a profissão mais reconhecida? 

Gomes - Com relação à valorização, sem dúvida, o auditor interno está cada vez mais valorizado no mercado. Nos organismos públicos, por exemplo, há centenas de profissionais em atuação no País, como no Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. No setor privado, as áreas de auditoria seguem recebendo investimentos constantes. Há anos, as empresas passaram a enxergar que os auditores se tornaram estratégicos para seus negócios. Não apenas com relação aos balanços e pareceres dados por eles, mas também na economia gerada por ajustes em processos e pelo caráter consultivo que ele é capaz de fornecer, já que é hoje o profissional que tem visão holística da organização. A legislação também tem reconhecido a importância da carreira. Já é lei a criação de comitês de auditoria em determinados níveis de organizações. Acionistas e direção também sabem da importância de integração das auditorias ao chamado sistema de integridade - que contemplam áreas de controles internos e compliance

Contabilidade - Quais os principais benefícios atrelados ao fato de contar com auditor interno? 

Gomes - Elas terão suas operações mais sanas, com a governança corporativa fortalecida e certamente ganharão mais credibilidade diante do mercado. É a certeza de que profissionais estão zelando pelas áreas estratégicas da companhia. O auditor é o olhar da direção diante das operações e de tudo que tange à questão das áreas financeiras. Ter uma área de auditoria significa atuar de forma preventiva, a fim de evitar possíveis perdas por falhas de controle, além de fortalecer a gestão de riscos e ter a certeza de que as legislações serão cumpridas. 

Contabilidade - Muitas organizações até reconhecem a importância, mas não sabem bem qual o momento de contratar um auditor interno. Que dica você daria a elas? 

Gomes - No momento em que a direção percebe que não está dando conta de acompanhar as operações do dia a dia, é hora de contratar um auditor interno. Ao investir nesses profissionais ele terá segurança de que os números estejam corretos ou bem próximos do correto. Terá ampla visão da evolução dos resultados por meio de gráficos e relatórios precisos, além de poder contar com um profissional capaz de atuar como importante agente consultivo nas conduções estratégicas da empresa. 

Contabilidade - Muitas organizações deixam para investir nesse profissional quando a situação já está fora de controle ou já é tarde demais? Ou normalmente as empresas têm a consciência de que é importante prevenir fraudes? 

Gomes - Desde menino escuto a expressão "a ocasião faz o ladrão". Uma forma de testar a confiança no ser humano, colocando o próximo a uma situação em que ele possa optar por levar vantagens. Não significa que o auditor procure por ladrões em seu dia a dia, mas uma de suas principais missões é localizar falhas internas que possam representar significativos prejuízos para a empresa. A cultura da prevenção no País ainda está em desenvolvimento. É comum termos empresas pequenas e até condomínios que sofreram danos e vão atrás de auditores para apurarem possíveis fraudes ou desvios. Uma vez ocorrido, é muito difícil reaver perdas. Mas já é oportunidade valiosa para que a empresa ou organização possa começar em uma nova era, com mecanismos de controles internos, tendo um ambiente renovado e preparada para evitar futuras ocorrências. - 

Fonte: Jornal do Comércio https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cadernos/jc_contabilidade/2019/03/673147-auditoria-interna-passa-por-momento-de-expansao-no-pais.html

quinta-feira, 7 de março de 2019

O básico da governança: #03 O despertar

Este é o post #02 da série O básico da governança, do blog Governança em Águas Escuras.

"Os acionistas são uns tolos e uns arrogantes; tolos porque nos dão seu dinheiro e arrogantes porque querem receber dividendos".

A frase acima é atribuída ao Barão de Fürstenberg, que a teria dito durante Assembleia de Acionistas do DeutscheBank, no final do Século XIX (Gonzalez, Roberto Sousa. Governança Corporativa - o poder de transformação das empresas, 2012). Dá uma boa ideia de como os gestores consideravam os proprietários e investidores, que eram aqueles que lhes davam o comando das empresas. Imaginem, então, o que pensavam sobre os demais stakeholders!

Este terceiro post da série O básico da governança traz um breve histórico - sob a forma de esquema de aula, desculpem por isso 😊 - de como surgiu a ideia de governança corporativa, partindo do momento em que o tamanho das empresas levou à dispersão do poder até a elaboração e adoção das boas práticas.
👉 Gigantismo e o poder das corporações:
→ corporações aumentam de tamanho e quantidade de sócios;
→  o processo de dispersão do controle das grandes corporações;
→ despersonalização da propriedade;
→ Acionistas = proprietários passivos;
👉 Divórcio entre propriedade e a gestão:
→ a propriedade desligou-se da administração;
→ os fundadores-proprietários, foram substituídos por executivos contratados;
→ os objetivos corporativos deixaram de se limitar à maximização dos lucros; e
→ várias inadequações e conflitos de interesse passaram a ser observados no interior das corporações
👉 Conflitos de interesse não simétricos:
→ conflitos decorrentes da pulverização do capital e do divórcio propriedade-gestão;
→ são os chamados conflitos de agência;
👉 A governança corporativa desenvolveu-se a partir daí:
→ como reação aos oportunismos proporcionados pelo afastamento dos proprietários passivos;
→ para cuidar desses conflitos e de outros desalinhamentos nas companhias.
👉 Entre as forças externas que pressionam por boas práticas de governança citam-se:
→ definição de mecanismos regulatórios, que incluem regras de proteção dos investidores, compromissos ampliados das corporações e níveis de enforcement para sua efetiva adoção;
→ os padrões contábeis exigidos das companhias;
→ o controle exercido pelo mercado de capitais;
→ as pressões dos mercados de atuação das companhias;
→ o ativismo de investidores.
👉 Entre as forças internas estão:
→ a concentração da propriedade acionária;
→ a constituição de Conselhos de Administração guardiões;
→ a definição de modelos de remuneração para os gestores;
→ o monitoramento compartilhado da companhia com outros grupos de interesse; e
→ as estruturas multidivisionais de negócios.

Fatos de destaque no mundo...:
👉 Década de 1980: ativismo de R. Monks (EUA);
👉 1991: R. Monks usa pela primeira vez em que a expressão;
👉 1995: R. Monks e N. Minow (EUA) – primeiro livro: Corporate Governance;
👉 1992: Cadbury Report (Inglaterra) – primeiro código de melhores práticas;
👉 1992: General Motors (EUA) – primeiro código de uma empresa;
👉 1998: OCDE - primeira iniciativa de organismo multilateral para a difusão dos princípios: Principies of corporate governance;
👉 2002: Sarbanes-Oxley Act (SOX) – resposta aos escândalos de empresas dos EUA, tais como Enron, WorldCom e Tyco;
👉 2002: Bolsa de NY aprova os requisitos de GC editados pela SEC;
👉 2003: Nasdaq anuncia normas semelhantes à Bolsa de NY;
👉 2003: “Revised Combined Code” (UK), revisão do código anterior prevendo a regra "comply or explain";
👉 2009: Ostrom e Williamson recebem Nobel de Economia por estudos relacionados à Governança;

... e no Brasil:
👉 1995: Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA) – embrião do IBGC;
👉 1999: Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) - primeiro Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa;
👉 1999: CVM lança a Instrução 299 sobre ofertas públicas e rodízio de auditorias;
👉 2000: IBGC realiza o 1° Congresso Brasileiro de GC;
👉 2000: Bovespa lança os segmentos diferenciados de GC - Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado;
👉 2001: nova lei das S.A.;
👉 2001: Bovespa cria o IGC;
👉 2002: CVM lança cartilha “Recomendações da CVM sobre GC”, voltada às companhias de capital aberto;
👉 2002: Novo Código Civil;
👉 2003: CVM lança instrução 381 sobre serviços oferecidos pelas auditorias;
👉 2004: ingresso da Natura no Novo Mercado é seguido de grande volume de IPO’s;
👉 2010: CVM lança Instruções 480 e 481, passando a exigir que as empresas de capital aberto preencham o Formulário de Referência.

Até o próximo post da série!

Referências:
ANDRADE, A.; ROSSETTI, J. P. Governança Corporativa – Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências. São Paulo: Atlas, 2011.
GONZALEZ, R. S. Governança corporativa – O poder de transformação das empresas [livro eletrônico]. São Paulo: Trevisan, 2012.
IBGC. Governança Corporativa. Disponível em http://www.ibgc.org.br/index.php/governanca/governanca-corporativa. Acesso em 1 mar. 2017.